Pacientes de média e alta complexidade tratados em casa fazem parte quase de uma ousadia e exigem comprometimento dos servidores da Saúde. Mas, por mais compromissados que sejam, seria humanamente impossível dar conta da demanda apenas com servidores públicos.
São 57 pessoas com as mais diferentes idades e com os mais diversos “planos terapêuticos”. São equipamentos, medicamentos, horários, higiene, humores, histórias e cuidados distintos. O atendimento tem eficácia elevada, segundo os técnicos: são cinco altas mensais.
Essa taxa de êxito se deve a vários fatores que transitam da orientação que os familiares recebem dos servidores do Estado, passando pelos equipamentos oferecidos e mantidos pelo poder público mas, sobretudo, porque quem peleja na beira da cama quer o paciente vivo. Quem está ali precisando de apoio e cuidados é uma mãe, um filho, um pai, uma filha, um avô ou avó. Isso faz muita diferença.
É o caso da dona de casa Ângela Maria da Silva. “Mãe solo”, como ela mesma se auto denomina, é moradora da Rua Cedro, no bairro Calafate. Até que a via não é tão esburacada, comparada às outras da região. A casa modesta, mas acolhedora, é onde ela cuida dos dois filhos que exigem atenções especiais.
Pedro Henrique, de 11 anos, usa a peraltice de todo menino para fazer o que todos fazem: jogar bola, andar de bicicleta, brincar. Mas ele já teve os dias presos a uma cama por causa da artrogripose e da encefalopatia. “Doenças ‘de nascênça’ (sic), explica a mãe. O SUS, o Estado e o carinho da mãe lhe permitiram as danações de hoje.
O caso mais delicado na rotina de Ângela Maria da Silva é do pequeno José Guilherme, de apenas 4 anos. Ele também tem os mesmos problemas do irmão, Pedro Henrique, artrogripose e encefalopatia só que de forma mais grave.
Os cuidados que José Guilherme exige transitam da fisioterapia, enfermagem à fonoaudiologia.
O monitoramento acontece no pequeno quarto, enfeitado com abelhinhas estilizadas e um painel com o fenômeno do automobilismo dos desenhos animados da Disney/Pixar, Relâmpago Mcqueen, o carrinho cheio de aventuras velozes. Brincadeiras tão distantes da vagarosa rotina do pequeno José Guilherme. É um sonho, uma ideia de liberdade e de ação que está ali ao alcance dos olhos da criança, entre um mimo e outro da mãe ou da dedicada enfermeira Carolina Ferreira.
“Todos os dias da minha vida eu pelejo com meus dois filhos”, diz Ângela Maria, em tom altivo. “Tenho outra filha, mas ela vive a vida dela. Hoje mesmo foi um dia difícil. Tem noites, como hoje, foi difícil. Você acorda duas três vezes na noite com o Zé Guilherme sufocando. Eu só espero, meu Deus, que um dia eles valorizem essa luta e que não me culpem”.
O pai dos meninos (ex-marido de Ângela Maria) é primo de primeiro grau. A consanguinidade é um possível fator biológico que pode explicar as doenças congênitas de Pedro Henrique e José Guilherme. O que é uma possibilidade estatística no campo das ciências médicas, no aspecto moral, é uma certeza preservada por Ângela e revelada no tom com que falou “… Eu só espero, meu Deus, que um dia eles valorizem essa luta e que não me culpem”.